A Mão Medíocre
Pensar no meu particular existir neste tempo e espaço, o existir de uma criança nascida do encontro de dois perdidos. Pensar na existência frágil um ser que não entende ainda muito bem os mecanismos de sua vida, mas que, também sem saber, já tem seu caminho traçado por poderosas mãos, mãos que em vez de promover um movimento revolucionário, adiante! adiante!, uma turbina de energia cinética que leve ao potencial máximo… não. Estas mãos não estão a favor, estas lutam contra. As mãos de que falo lhe seguram pelo peito e lhe impedem o passo; elas não estão ali para levar-nos ao topo, mas sim ladeira abaixo — embora não tão explicitamente como eu tendo a elucidar. A sagacidade dessa uma mão é o que a faz tão difícil de combater. Ela trabalha incansavelmente por anos a fio, numa frequência baixa e constante, como um inimigo invisível que mata sem alarde, sem sinalizar. A mão de que falo enxerga cor e classe. A mão de que falo pende para um lado só, enquanto finge uma indistinção cínica, um véu frágil e translúcido que até mesmo eu, por tantos anos afagado por ela, consigo desvelar num só puxão. Hoje, já não tão desentendido dos mecanismos enluvam as mãos medíocres, só posso usar as minhas próprias para potencializar os trabalhos manuais que derrotam a mediocridade de certas mãos. E com tempo, de mãos dadas, conquistar o topo dentro de cada um de nós.