#13 - Resposta
Longe daqui.
Querido Márcio,
A data é fictícia. Só queria que fosse um arredondamento da minha incompetência. Há exatos nove meses, você me escreveu uma carta, e eu, incompetente, prometi imediata resposta. Bem, finalmente o responder lhe chega.
A ideia é que seja (fosse?) uma constante troca de constatações filosóficas, cheias de reflexão, descobertas, criatividade e epifanias. Emoção. A pergunta é: será que dá? Não sei. Por ora, ofereço a simplicidade das palavras mais bonitas, sonoras, ressonantes que posso oferecer em nossa língua materna. Talvez simplicidade é o que realmente procuramos, no fim das contas.
De qualquer forma, esta é uma carta-resposta, portanto imagine-a como se tivesse sido enviada por pombas idade-média, tanta a demora que levou para chegar. Quase cômico, em tempos interneteiros...
Queria então poder descrever o poder de sua última linha na carta de março. É uma linha tão avassaladora que em meu imaginário, há muito deixou de nos pertencer, deixou de ser parte de nossa intimidade. Na minha cabeça, suas palavras finais estão gravadas num livro de Machado de Assis, numa canção do Chico Buarque. A incumbência que você me deixou vai muito além das minhas mais nobres virtudes e não sei se poderei sequer chegar perto de realiza-la. Em seu desejo de ser desatinado, quem o é sou eu todas as vezes que releio a frase. Divino, maravilhoso.
Você me descreve como instigante... Será que ainda é possível, depois de tanto tempo? Os tempos são outros, não me encontro comigo mesmo há já algum tempo. Tempo, tempo, tempo.
E definitivamente é por falta de – quem diria! – tempo, mas também por fadiga, por esquecimento, por medo. A meta é que no próximo ano eu retome o encontro comigo, que leia todos os livros que deixei de ler, que cuide tanto do meu corpo quanto da minha mente. E que nessa busca, na (re-)descoberta do mundo, eu descubra onde me encaixo nesse quebra-cabeça.
Não sei se era pela obrigatória resposta devida ou pela natural natureza de nossa amizade, mas eu andava pensando muito em você. Sinto sua falta, sinto falta particularmente da nossa ingenuidade perante o mundo. Das noites frias juntos, quando nossas amizades eram inacabáveis, quando o tempo era tão desimportante e inesgotável que uma visita à tarde facilmente se tornava um fim de semana inteiro de dedicação mútua, entre todos os envolvidos. Das noites quentes que íamos todos ao centro da cidade, que na época era também o centro do nosso universo, e lá tomávamos todas e outras: cervejas, tequilas, pés-na-bunda. E dançávamos a noite adentro, de manhãzinha no primeiro metrô, dormindo ombro-a-ombro com o Diego, às vezes Carolina, Thiago, Joice... qualquer um que fosse dos bons. E mais fim de semana, menos dependência com o relógio, e assim éramos: avulsos, audaciosos, infinitos em nossa finitude. Depois de tanto tempo, será que ainda é possível? Os tempos definitivamente são outros.
Não me entenda mal. Não penso que gostaria de voltar no tempo, não; estou lidando bem com a mudança de ares, com o acumular dos anos, o esticamento dos meses numa coisa só – indefinida e inseparável, a fluidez da vida. É um processo que me encanta tanto quanto me assusta, mas não tenho muitos problemas quanto a isso. O que quero dizer é que seria bom, seria mágico, ter quem me ilumina por perto, ao alcance dos pés, do telefone. Principalmente agora em que uma escuridão milenar paira sobre o país, sobre as pessoas. Principalmente quando todos nós escolhemos (ou fomos escolhidos por) estradas tão distintas. Faz falta ser ilimitado.
Enfim, nada é definitivo, nem mesmo o que escrevo. Só espero que nas suas escolhas haja tempo suficiente para evoluir e revolucionar. Revolucionar quem quer que cruze seu caminho, evoluir para passarinho.
Seria bom se quando suas asas estiverem fortes o suficiente você eventualmente as bata para perto de mim.
De uma Haia sob chuva,
Henri