#15 - Varanda suspensa
Aqui mesmo?
Querida Lívia,
Estranho seria se eu não escrevesse para você.
Tenho pensado muito sobre a nossa experiência em conjunto e o que ela nos agrega. Quando recebi sua leva de mensagens sobre Berlim, lembrei muito de mim mesmo, de como eu havia me sentido naquela cidade tão destrutiva, tão reconstruída.
Das que visitei, Berlim é a mais querida. Minha última vez por lá foi tão energizante, me renovou as ideias, os desejos, a inspiração... O sol brilhava alto e eu andava sozinho, uma sacolinha de pano e alguns euros no bolso. Coração aberto ao desconhecido. Entrava nos lugares, eu e minha vergonha, mas era preciso lidar com a língua, com os quereres, com o (sempre) ser estrangeiro.
Eu quis visitar amigos também, mas a cidade pulsa e um pulso pede sangue. Ela drena tudo que uma pessoa tem para oferecer. Acabei não vendo quem eu quis, mas não importa porque a melhor companhia era a minha mesmo. Pensei muito no meu crescimento pessoal como cidadão da Europa. Será que você pensa nisso também?
Será que você se sente estrangeira, que fica perdida na tradução dos pensamentos, que se sente só e que só se sente feliz só em alguns poucos momentos? A solidão tem sido parte cotidiana da experiência extracontinental e ao mesmo tempo que é uma dádiva é uma maldição. A constante solidão alimenta o processo, o entender-se enquanto ser pensante. Mas pensar pesa, tem consequência. Às vezes a vontade é mesmo de não dar espaço para nada: fitar o vazio, esvaziar, escapulir. E tudo que vem é ideia, pensamento, confabulação. Plena loucura. Pensadeira ambulante.
Nós vivemos em bolhas individuais de experiências e pensamentos. Somos triângulo, sim. Mas no fim é sempre você e sua bolha francesa. Eu e minha bolha holandesa. Sophia e a bolha europeia. Eu diria ser um dos grandes lados negativos de viver por aqui: é extremamente complicado estourar esse bolha quando (mais) se precisa de uma voz familiar, uma voz brasileira. O sofrer vem individualizado também, compartimentalizado. E se a gente decide estourar a bolha e compartilhar, é sempre no fim da festa. Como tornar nosso bolharéu mais conjunto?
As questões me vieram quando você me sussurrou sua felicidade berlinesa: uma viagenzinha de nada que nos faz desabrochar, perceber a infelicidade local, o desprazer na vivência das coisas próximas. Uma viagenzinha que nosso interior diz "vai" e a gente se joga sem perceber o quanto vai ser trabalhado, o quanto aquilo tudo era necessário, o quanto era combustível de vida. Processamento de existência.
Talvez a união que eu buscava veio um pouco em outubro passado, enquanto sofriamos juntos o apunhalamento do país materno. Foi um mês de dor e confusão e estranheza e alguns poucos conseguiram encontrar zelo no escuro, em meio ao caos – um pouco do nosso caso. Me reconectei com você, mesmo sabendo que nossas diferenças estavam mais afloradas, mais presentes do que nunca. Mas seguramos a mão um do outro e sou grato por isso. Sou grato pela nossa irmandade folclórica.
Ainda assim, me sinto estranhíssimo escrevendo sobre algo que aconteceu meses atrás, mas é tudo parte do infindável moinho dentro da minha cabeça. Essa história vinha e ia e ia e vinha, girando sem parar na cachola – eu sabia que uma hora teria que lidar com a mensagem. Estou descongelando a geladeira interna.
Temos muito o que conversar. Logo volto com mais do lado de cá,
Henri