Cartas para Longe Daqui / Aqui Mesmo

Entre os anos de 2015 e 2020, eu escrevi cartas endereçadas às pessoas queridas e aos amigos do Brasil, num projeto que tomou forma logo após o início do meu processo imigratório e a subsequente experiência de tornar-se estrangeiro.

#9 - Todo dia é dia D

 

Aqui mesmo.


Henri,

Esta carta é endereçada a você (ou a mim mesmo, como preferir). 
Hoje completei meus 25 anos. É mais que um aniversário: é um marco de longevidade e também um marco pessoal. O último dos belos anos da juventude.
É também uma nova experiência na minha existência. A idade que minha mãe tinha quando me deu à luz, ou seja: agora há toda uma geração dentro de mim; todo um peso das responsabilidades da vida adulta. São leis.
Na realidade, eu não queria chegar nesse número. Para mim, a vida poderia ser um eterno 23. Eu estaria feliz - embora sempre curioso como o o que vem depois? Falo distraído, porque na verdade o processo é preciso e me interessa. Constantemente me pego pensando na jornada e no dito "fim" dela. O fim nunca é de fato o fundo. Quanto mais vivo, mais percebo isso.
Viver é um eterno fluxo de constatações e assimilações. O aprendizado maior não vem dos erros (como sempre é difundindo por aí), vem destes pequenos e solitários momentos conversando consigo mesmo... compreendendo novos códigos e linguagens. É entender o seu lugar no planeta, as cicatrizes que você carrega, as pessoas que lhe atravessam, as peças que a gente move.
A minha promessa de ano-novo vem de outras paradas, de outras observâncias. Estes primeiros vinte e cinco anos foram quase que exclusivamente como um aprendiz, descobridor de presença, das meias verdades, da maldade humana e da utópica bondade também. Talvez agora seja o momento ideal para mergulhar nos mistérios, para perder-me no labirinto místico, me aprofundar e deixar-me afundar no conhecimento. Me parece triste toda uma vida desperdiçada no raso, na superfície do mundo. Agora é preciso dominar algo. A segunda das fases: aprender, dominar, ensinar.
Pensei muito no meu pai também, como queria tê-lo enviado uma carta no seu aniversário, mês passado. E também como não a enviei, por medo de ser piegas, por medo de demonstrar, de mostrar, de abrir - meus verbos não precisam de substantivos, estão todos já explícitos. Por mais que eu tente não me envolver nos laços de família, é uma corrente mais forte que eu. Alguns laços precisam ser atados, precisam de nós e nós. Menos muros, barreiras. Eis mais uma das funções desta nova etapa.
Independentemente de tudo exposto, a vida é agradável, o vento que dança vem do mar e eu sou grato por todos os mais de 9.100 dias ou 300 meses ou 25 anos. Todos os dias são domingo, já dizia Morrissey. E não importa fazer sentido - toda loucura é importante, toda loucura é um afago no escuro.
Mesmo que eu sempre esteja de olho no retrovisor, minha estrada é o futuro. Pé em deus e fé na tábua. O desejo maior é que este ano-chave seja de um doce raro: delicioso mas árduo, conquistado. Espero entender o que é ser um adulto e todas as cargas adicionadas pela concepção de um filho – como minha mãe experimentou 25 anos atrás. Entender o amadurecimento e a fragilidade. A compreensão e a finitude. A poesia da simplicidade.
Entender todos estes meus anos de sonho, sangue e América do Sul. Entender que no fundo deste peito ainda bate um coração louco, ávido, sedento, tolo... E acima de tudo, menino.

Henri